Sunday, February 4, 2018

Pensando com a própria cabeça – réplica ao “Nosso Coro Particular de Demônios” (Parte V)

5. Dinheiro compra amor verdadeiro?


Para responder à pergunta é necessário saber o que é, de fato, o amor verdadeiro.

O texto ficou mais longo do que eu esperava, mas foi inevitável. Isto porque não consegui discorrer da forma e com o espaço que gostaria. Mas este é o resultado que consegui apresentar. Espero que gostem:

Podemos seguir por dois caminhos: o primeiro é o caminho da idealização, definindo o amor verdadeiro como um amor perfeito e infalível. O segundo é o caminho dos exemplos práticos, definindo-o como uma virtude presente nos seres humanos, ainda que um sentimento falho, porque o ser humano é naturalmente falho.

Poderia abordar com maior profundidade a primeira definição, mas tomaria muito espaço neste post, por ser um assunto complexo. Focar-me-ei tão somente na segunda definição, a qual eu entendo ser mais oportuna para a ocasião, e o farei, como o próprio nome induz, de forma a apresentar um exemplo, o qual considero o mais apropriado.


Pensemos no amor materno (o amor paterno também vale, mas considero o materno um exemplo mais fiel e frequente na vida real). Quando uma mãe abraça com todas as forças seu ofício – e acredito que tal coisa aconteça em boa parte dos casos – ela estará disposta a se sacrificar pela proteção e o bem-estar do filho. Será uma vida inteira de preocupações, dedicação e cuidado à criança, mesmo depois que esta tenha crescido e aprendido a andar com as próprias pernas.

Faço esta observação porque é frequente no ofício da maternidade – e da paternidade também – preterir as próprias prioridades em prol das prioridades da prole. Até porque as prioridades da prole se tornaram as suas.

Se o leitor leu o que escrevi sobre o bem no artigo Se Deus não existir, tudo é permitido, pode associar a prática do bem naqueles termos (na medida do possível, a prática sem contrapartida ou pressão, seja externa ou interna, isto é, a prática espontânea do bem) como sendo o amor verdadeiro em sua forma ideal.

Como somos seres falhos, podemos afirmar que quase sempre haverá um fator que condicione o amor ou a prática do bem, inclusive nos casos de ofício da maternidade/paternidade. Até porque ser mãe ou pai em si já é um fator que o condiciona. Porém, o que pretendo enfatizar aqui é o quão resoluto pode ser o amor materno (e paterno), não hesitando mesmo nos casos em que não há correspondência – quando o filho não retribui o amor recebido pelos pais, o que é bastante comum, principalmente nos dias de hoje.

Concluindo a definição, o amor verdadeiro, na prática, seria algo muito próximo, senão similar ao amor praticado pelas mães (e pelos pais) aos filhos, porque o que o caracteriza é a capacidade de dedicar o tempo e a vida próprios ao outro, a ponto de se anular.


Mas Pondé não estaria se referindo ao amor entre homem e mulher? Ou melhor, o “amor sexual”? (também estou incluindo aqui formas heterodoxas de união, como entre homossexuais, bissexuais, etc.)

Deduz-se que sim. E baseado nisso, posso afirmar humildemente, com a pouca experiência que tenho, que o amor “sexual” ou “conjugal”, seja qual definição utilizarmos, raramente se equiparará ao amor materno ou paterno, porque aquele quase sempre funciona através da contrapartida, da reciprocidade – o que não é um mal em si, mas é o que determina de fato se ele se aproxima do que eu chamo de amor verdadeiro. Quanto menos o amor depender de contrapartidas, mais próximo estará de sua forma máxima.

Por isso a dificuldade de tal modalidade de amor alcançar o desejado status.

E se a contrapartida for o dinheiro, como implica a pergunta principal? Então posso dizer tranquilamente que não, o dinheiro não compra o amor verdadeiro. Tal coisa seria o mesmo que afirmar que a qualidade do amor de uma mãe depende do quanto de dinheiro o filho lhe dá em retorno, o que em si já não faz sentido.

O dinheiro, assim como a beleza, a amizade, semelhanças entre ideias, gostos, personalidades, e tantas outras coisas, pode, sim, ser o “gatilho” de uma relação, aquilo que une duas pessoas num primeiro momento. Mas o que “compra” o amor, de verdade, ou melhor, o que o alimenta é a convivência.

Um relacionamento pode até começar através do dinheiro, e confesso, sem qualquer constrangimento, que o dinheiro pode facilitar bastante uma relação, principalmente em seus estágios iniciais. No entanto, o que determina sua longevidade é o efeito que a convivência traz. Ela pode fortalecer os laços, como ela pode corroê-los. Ela os põe à prova. E no segundo caso, posso dizer também, com tranquilidade, que não será o amor verdadeiro, nos termos que defini neste texto, o responsável pela corrosão, mas justamente a falta dele.


Conclusão: o dinheiro não compra o amor verdadeiro.

Aqui, eu e Pondé temos uma divergência, ainda que eu entenda que as premissas utilizadas por ele não estejam erradas. Só acredito que temos um entendimento diferente daquilo que se define como “amor verdadeiro”.

OBS: é importante frisar que, na minha percepção, o amor verdadeiro pode ter "níveis" variados. Isto é: qualquer um pode praticá-lo, em níveis maiores ou menores, independente de seu nível moral. Depende muito de como o indivíduo que ama lida com o sentimento.


Deixo como apêndice a este texto a bela análise feita por um rabino (Abraham Twerski) em um vídeo que assisti há algum tempo. É uma percepção que me marcou muito e creio servir de lição para as pessoas:


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